Nos últimos anos, a palavra identificação tem ganhado muita força nas redes sociais e por conta disso também vem ocupando mais espaço nas vidas de muitas pessoas. Mas ter força por si só é suficiente? Não. Palavras, frases e expressões só ganham vida em nossa sociedade quando estão vinculadas a figuras reais. Figuras com as quais eu, você, seu irmão, seus amigues, todes podemos nos enxergar.
Você deve estar pensando:”ok, isso eu já sei. Mas onde estão essas figuras?’ Exato! Já faz é tempo que nossa sociedade nos impõe personalidades brancas, masculinas e heteronormativas como exemplos de cultura a ser seguidA. Enquanto que, personalidades não brancas e plurais, são deixadas à sombra.
Para desconstruirmos essa falsa identificação e colocar nos holofotes vozes plurais, iguais às nossas, precisamos de vozes de figuras reais para reconstruir e redefinir nossa realidade. Precisamos ler vozes negras. Vozes de escritoras negras! Encontrando nossa identificação na ancestralidade e materialidade das lutas e das obras dessas figuras.
Vamos começar pela ficção. Se você quer começar a conhecer escritoras negras e dar um mergulho no que elas têm a dizer, não precisa ser algo complexo de cara. A literatura é uma das expressões artísticas mais intensas para se assemelhar.
7 escritoras negras para ler em 2021
1. Bernardine Evaristo ( 1959 )
Bernardine Evaristo é uma escritora britânica, ganhadora do prêmio Booker Prize. Sendo a primeira mulher negra britânica a ganhar nesses cinquenta anos o prêmio mais importante das letras anglófonas. Esteve na FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty) de 2020, apresentando sua mais última obra intitulada “Garota, mulher, outras”.
Bernardine é professora de escrita criativa na universidade de Brunel em Londres. Assim como diversas outras autoras negras, sua escrita tem como temática a diáspora africana. A obra, “Garota, mulher, outras” traz consigo a necessidade de tornar visível vozes de mulheres que ao longo da nossa história como sociedade são caladas.
Garota, mulher, outras é um romance polifônico no qual diferentes personagens ganham espaço para ecoar suas vozes.
O romance é construído em cima das relações interpessoais dessas mulheres. Feminismo, lgbtqi+ fobia e racismo são questões norteadoras na obra.
2. Octavia Butler (1947 – 2006)
Octavia Butler, a primeira dama da ficção científica. Nascida na Califórnia em meados dos anos 1950, a autora é uma das primeiras escritoras negras a escrever ficção científica e a ganhar reconhecimento.
Já sabemos que a literatura é um ambiente majoritariamente branco e masculino. Mas, ainda assim conseguimos com um certo esforço pensar em escritoras negras produzindo em gêneros como, romance, contos, crônicas e poesias. Gêneros mais “femininos”.
Octavia Butler surge para quebrar todos esses preconceitos, abrindo nossa cabeça para uma nova perspectiva.
A literatura afrofuturista
Com uma proposta afrofuturista, Octavia escreve sobre questões raciais, gênero, ideias de família e sociedade numa perspectiva preta de futuro. Suas obras têm como fio condutor o tempo distópico. Com personagens femininas fortes e desarranjadoras desse tempo futuro.
Uma de suas obras mais famosas, “Kindred – laços de sangue” (1979), trata sobre uma jovem escritora negra (Dana) que é transportada da Los Angeles dos anos 1970 para uma fazenda escravista no sul dos EUA no início do século XIX.
Por meio das viagens no tempo feita pela personagem principal, a autora explora as temáticas de gênero e raça encontradas por Dana ao se encontrar ligada àquele passado. Laços de sangue apresenta cenas detalhadas de tortura, castigo, angustias e muita materialidade do emocional.
3. Lélia Gonzalez (1935 – 1994)
Quando falamos em uma literatura mais acadêmica é preciso um esforço para imaginarmos escritoras negras. O esforço ainda é maior quando racializamos essa questão. Antropologia, sociologia, filosofia nos parece muito branco e europeu.
Lélia Gonzalez foi uma intelectual, ativista, antropóloga brasileira pioneira nas discussões entre gênero e raça. Para o feminismo, Lélia contribuiu enormemente ao cunhar o termo amefricanidade. Trazendo uma perspectiva afro-latino-americana do feminismo.
A interseccionalidade presente em seu pensamento e trabalho a faz atravessar pela psicanálise, filosofia e candomblé.
Lélia super a frente de seu tempo, quebrou paradigmas ao desconstruir o lugar do negro na sociedade brasileira. Suas obras compreendem a real identidade do indivíduo negro em nossa realidade.
A interseccionalidade de sua obra permite situar a pessoa negra de forma real e concreta no mundo. O conceito amefricanidade é justamente o entendimento de nossa identidade. Somos negros e latino americanos.
A abrangência e atualidade dos discursos de Lélia está presente nos ensaios acadêmicos, artigos, entrevistas e registros de suas palestras. Seus textos podem ser de 30 anos, mas seu discurso está mais presente do que nunca nas lutas atuais.
“Nós não podemos reproduzir mecanicamente as propostas de um movimento feminista judaico-cristão.”
Lélia Gonzalez.
4. bell hooks ( 1952 )
Outra mulher incrível que trabalha um feminismo interseccional. Bell hooks entende a mudança quando há um processo crítico e reflexivo da teoria. Uma das suas maiores reivindicações é o modo como se dá a teoria no ativismo, desenvolvendo uma discussão pedagógica voltada para um movimento sociopoliticoracial.
Nascida em 1952 na cidade de Hopkinsville, Kentucky, Gloria Jean Watkins é escritora, educadora, feminista e ativista social. Sua escrita investiga as questões raciais, de classe e gênero na pedagogia, na história da sexualidade e do feminismo numa perspectiva pós-moderna.
O discurso de hooks defende a pluralidade dos feminismos e entende a prática da pedagogia como um pilar político e de resistência para as lutas antirracistas e anticapitalistas.
Dentre sua vasta obra,acredito que “Tudo sobre o Amor” seja uma das obras mais fortes para se ler e se reconhecer. O amor que conhecemos, que nos é vendido pela grande mídia branca é chacoalhado e reorganizado nesta obra.
“Tudo sobre o Amor” toca num cantinho bem escondido de nosso ser ao questionar o que é o amor. Nesse primeiro volume de sua Trilogia do Amor, a autora defende que o amor é mais que um sentimento, é uma ação. Ação transformadora capaz de mudar a cultura. A reconstrução de nossa sociedade pode partir da ética amorosa. Uma sociedade igualitária, justa e compromissada com o bem-estar coletivo.
Somos todos plurais
Um dos pontos centrais da identificação é quando conseguimos nos enxergar no outro. Somos todos plurais no que fazemos, no que gostamos, no que somos. É normal que essas autoras, ativistas e acadêmicas também encontrem sua expressão de luta nas artes.
5. Conceição Evaristo (1946)
Conceição Evaristo é uma das figuras mais importantes e representativas da nossa literatura. Sua participação ativa e militante nos movimentos sociais e de valorização da cultura negra e análise do panorama social no Brasil, alimenta sua produção artística.
Estreando na literatura nos anos 1990 com uma série de poemas e contos em “Cadernos Negros”, Evaristo é membro da Academia Brasileira de Letras. Escritora versátil, produz obras de poesia, ficção e ensaios.
Lermos Conceição Evaristo em pleno 2021, considerando todo o contexto social e político em que estamos vivendo é imprescindível.
Suas obras trazem narrativas diaspóricas refletindo sobre o presente e o passado. Conceição também questiona a representação das identidades negras na literatura nacional, expondo os preconceitos ainda presentes na nossa cultura e em nosso imaginário.
Seu primeiro romance, chamado “Ponciá Vicêncio”(2003), acompanha a trajetória da vida da protagonista – descendente de pessoas escravizadas – do meio rural até a periferia urbana. A obra recebeu ótimas críticas.
A figura da mulher é forte em suas obras. Denunciando as desigualdades, colocando a atenção sobre a situação de vulnerabilidade das mulheres negras – oprimidas ao mesmo tempo, pelo racismo e o machismo da sociedade.
6. Maria Firmina dos Reis (1822 – 1917)
Com a publicação de “Úrsula” (1859), Maria Firmina dos Reis se tornou a primeira romancista em nosso país.
Sua obra marcou o período, pois descrevia o quotidiano das pessoas escravizadas, dos negros e das mulheres. A trama gira em torno do romance entre a protagonista Úrsula e o bacharel Tancredo.
Estudiosos de literatura através de diários escritos por Maria Firmina afirmam que ela tinha contato com essas pessoas, conversava com elas e por isso o caráter de vivência em sua obra.
Suas obras trouxeram para a literatura a possibilidade de identificação e representação ao produzir discursos a partir do lugar do negro brasileira e a discriminação sofrida por este. Sua literatura denunciava as práticas de uma sociedade escravagista atravessada por injustiças e opressões.
A frente de seu tempo, seu romance é considerado precursor do abolicionismo e uma das obras fundadoras da literatura afro-brasileira. Seu repertório também é composto por contos, crônicas e poemas. “Cantos à beira-mar”(1871) reúne uma série de poesias falando sobre a tristeza e insatisfação perante a sociedade patriarcal e escravagista.
Vi uns olhos… que olhos tão belos!
Esses olhos têm certo volver,
Que me obrigam a profundo cismar,
Que despertam-me um vago querer.
Esses olhos calam na alma,
Viva chama de ardente paixão,
Esses olhos me geram alegria,
Me desterram pungente aflição.
Esses olhos devera eu ter visto
Há mais tempo ─ talvez ao nascer,
Esses olhos me falam de amores.
Nesses olhos eu quero viver.
Nesses olhos eu bebo a existência
Nesses olhos de doce langor,
Nesses olhos, que fazem sem custo
Meigas juras eternas de amor.
Trecho do poema “Uns olhos” , Cantos à beira-mar (1871)
7. Djamila Ribeiro (1980)
Redes sociais como twitter , instagram e Facebook se tornaram grande palco para as discussões dos movimentos sociais ativistas. Estamos conectados a estas redes o tempo todo. Não há melhor maneira de nos aproximar dessas figuras de identificação.
Djamila Ribeiro é uma das maiores escritoras filósofas de nosso tempo. Através da publicação de seus textos em diversas plataformas da rede, seu trabalho passou a ser divulgado e conhecido.
Djamila representa essa figura real da identificação, pois utiliza das ferramentas atuais para falar sobre temas pertinentes à população preta brasileira e com isso ter maior alcance de sua voz. Assim como outras teóricas, ela propõe que o espaço cibernético oferece uma alternativa à mídia que reproduz os preconceitos da sociedade.
Com formação acadêmica em filosofia, Djamila ganhou notoriedade por meio de suas contribuições aos movimentos sociais que lutam pelos direitos das mulheres e dos cidadãos negros.
Em seu primeiro livro, “O que é lugar de fala? “ (2017), a autora nos convida a olhar para o silenciamento a que algumas camadas da sociedade estão submetidas. A autora defende a necessidade de haver mais vozes representativas em nossa cultura, desafiando o cânone branco e masculino.
O que é lugar de fala?
Quem pode falar na nossa sociedade? Quem tem direito a voz e ao discurso enquanto forma de poder. A defesa de que cada indivíduo fala a partir de um lugar social, de um lugar das estruturas de poder.
Djamila defende a liberdade das vozes das pluralidades das identidades, tornando essas identidades outros sujeitos de sua voz.
“Minha luta diária é para ser reconhecida como sujeito, impor minha existência numa sociedade que insiste em negá-la.” – Djamila Ribeiro.
Agora que você conhece essas escritoras negras, que tal conhecer a comunidade Awalé. Saiba mais sobre nossa comunidade. Conheça nossos cursos e inscreva-se!
Texto escrito por:
Wandersa Martins
Estudante de letras – coreano – pela Universidade de São Paulo. Ao longo da
graduação me descobri no campo das artes visuais e plásticas. Essa
descoberta vem se construindo junto a minha identidade como mulher negra.
Atualmente um dos meus maiores interesses é descobrir mais sobre as pretas
mulheres artistas no Brasil e poder escrever sobre elas e produzir no campo
das artes. A SEO com a Awalé entra em minha vida para aprender mais sobre
esse escrever no mercado e como produzir sem deixar minha criatividade de
lado.
Conteúdos produzidos pelas alunas do Curso de Conteúdo Criativo e SEO da Awalé.