Há alguns dias, estive em uma faculdade de renome com o desafio de falar sobre liderança feminina. O evento ocorreu durante a semana, no período da manhã, e eu já tinha uma noção do meu público.
Mesmo tendo preparado o conteúdo no dia anterior, muitos pensamentos me rondavam, pois eu sabia que seria uma mulher negra falando sobre liderança feminina para um público majoritariamente formado por mulheres, com alguns homens, mas em sua maioria, pessoas não negras.
Senti aquele frio na barriga? Com certeza! Mas me apeguei ao conteúdo de forma estratégica, para entreter e engajar todas as pessoas desde o início até o final. E foi exatamente assim que aconteceu, como eu previa. Era um público jovem, com menos vivência do que eu e, em sua maioria, com certos privilégios. No entanto, como sempre, fiz o “teste do pescoço”: sim, havia duas jovens negras na plateia que não desgrudaram os olhos de mim.
Abordei a construção histórica da nossa sociedade, que há mais de 3 mil anos estabelece conceitos criados por homens e para homens. Após essa introdução, narrei a evolução da legislação brasileira, que ao longo da história foi avançando para que as mulheres se tornassem cidadãs.
Sempre é necessário fazer o recorte racial, e assim o fiz, para que o público compreendesse por que ainda afirmamos que as mulheres negras estão na base da pirâmide social. Cada vez que eu fazia esse recorte, tinha certeza de uma coisa: eu estava sendo uma referência, especialmente para aquelas jovens negras, mas também para todas as demais presentes, mostrando como a liderança feminina pode abrir caminhos.
Ao finalizar a apresentação, abri espaço para perguntas, e duas delas ficaram marcadas na minha mente.
Como eu posso trilhar o meu caminho enquanto mulher na sociedade?
A pergunta completa foi: “Danúbia, como eu posso trilhar o meu caminho enquanto mulher na sociedade, começando em casa, sem me sentir culpada por seguir o caminho que eu quero?”. Sugeri três reflexões:
Autoconhecimento
O primeiro passo é ter ferramentas para se autoconhecer. Sei que nem todas as mulheres têm acesso à terapia, por exemplo, que é uma ótima forma de autoconhecimento. Quebrar padrões familiares é difícil e, sim, pode gerar um sentimento de culpa, principalmente porque, em sua maioria, nós, mulheres, fomos ensinadas a “agradar”, especialmente aos nossos pais.
Conhecer seus direitos
Saber dos seus direitos é fundamental para a sobrevivência da mulher em qualquer espaço. Temos muitas legislações que amparam as mulheres. Informar-se e estar atenta, principalmente sobre como se defender em situações de violência, é essencial.
Estratégia pessoal e profissional
Tenha uma estratégia pessoal e profissional que esteja alinhada com a sua realidade. Quando você trilha sua jornada de forma estratégica, ajustada às suas expectativas e possibilidades, a sensação de culpa pode ser superada.
Finalizei dizendo que essas eram possibilidades, pois cada caminhada de uma mulher é única, e não existe um caminho certo ou errado. Existem caminhos.
Já segunda pergunta me atingiu quase como um tiro no peito! (risos)
Quais são os caminhos para que eu seja uma boa liderança?
Respondi com entusiasmo:
“Que pergunta incrível! Vamos lá: “
Reconhecer seus vieses inconscientes
O primeiro passo é entender que todos temos vieses inconscientes — julgamentos automáticos ou preconceitos que fazemos sem perceber. Esses vieses são influenciados por experiências anteriores, estereótipos culturais e normas sociais, e afetam a forma como percebemos e tratamos as pessoas, mesmo quando queremos agir de forma justa. Reconhecer a existência desses vieses é o primeiro passo para mitigá-los e promover uma sociedade mais igualitária.
Gostar de pessoas
Para ser uma boa liderança feminina é fundamental gostar de pessoas. Reconhecer e trabalhar os vieses inconscientes é essencial para gerir equipes com empatia e justiça.
Gostar de pessoas parece óbvio, mas devemos pensar que: vivemos numa sociedade diversa, então precisamos estar preparadas para compreender outras realidades, outros pontos de partida, pensar em soluções únicas para cada pessoa liderada.
Quando somos lideranças em espaços organizações, é preciso lembrar que somos CPF’s aglutinados em um CNPJ, e que não escolhemos as pessoas que vamos dividir esse espaço. É preciso, para além de maturidade profissional, inteligência emocional para liderar.
Decidir o tipo de liderança que você quer exercer
Tenha referências, exemplos e nitidez sobre o caminho que deseja seguir. Escolher conscientemente que tipo de liderança feminina você deseja praticar é um passo fundamental para se tornar uma boa liderança.
Ao encerrar a apresentação, percebi que aquele público estava realmente disposto a ouvir o que eu tinha a compartilhar. Mesmo sendo uma mulher negra falando sobre liderança feminina e outros temas desafiadores, fiquei confiante de que as pessoas estão abertas a nos ouvir.
O mais interessante é que percebi que o conteúdo era mais familiar para mim, por estudar e viver essas questões, do que para o público. Isso me lembrou que nem todo mundo tem acesso a essas informações, e sempre haverá alguém disposto a ouvir o que temos a dizer.
Conheça também minhas outras publicações aqui no site da Awalé:
- Eu sou uma potência? Reflexões sobre ser uma mulher
- Sororidade e dororidade: a união e desafios das mulheres negras
Danúbia Silva, é mulher cisgênero, 40+, negra de pele clara, natural de Campinas/SP. Especialista em Diversidade e Inclusão e ESG, Mentora de Carreira e Palestrante, atuou por mais de 20 (vinte) anos no corporativo com vendas, experiência do cliente, treinamentos e gestão de crise. Comunicadora em formação, é uma entusiasta em transformação dos ambientes e gosta de pensar que está trilhando um caminho para uma sociedade mais justa.