Esses dias eu estava no avião, voltando de São Paulo para Salvador depois de um evento de trabalho e pensei comigo: em que lugar nós, mulheres negras, permitimos guardar nossos sonhos? Ao longo dos últimos anos eu entendi que o ato de sonhar podia ser o primeiro passo para movimentar a minha vida. E assim tem sido, mas o quão difícil é se permitir viver isso?
Antes, é bom eu me apresentar, né? Talvez o que seja mais interessante sobre mim é que sou ventania da cabeça aos pés. Um verdadeiro pé de vento. Me chamo Maria Martini, sou fruto da educação, mas foi no marketing e na comunicação que eu me encontrei, mais precisamente na área de conteúdo. Sou negra de pele clara, sapatão, sou ventania porque sou de Oyá, moro em Salvador e nas horas vagas, assim como nas úteis, eu também escrevo. Dizem que sou redatora, contadora de histórias, poeta… algo nesse caminho e gosto dos termos em português (rs).
Por aqui vamos falar sobre marketing e diversidade, mas antes de falar sobre isso, quero te fazer pensar sobre os lugares que você tem reservado para os seus sonhos, seus planos, sua própria narrativa.
A escrita foi uma ferramenta de transformação na minha carreira
Antes de ser redatora, eu acho que eu sonhava pouco. O fato de existir para sobreviver acaba minando as possibilidades da gente acreditar na gente. E eu não fugi nem um pouco desse padrão. Quando eu comecei a ganhar dinheiro com a escrita, eu abracei a menina que fui e consequentemente um sonho antigo.
Escrever profissionalmente me devolveu a autoestima, eu lembro de um dia em que olhei para as pessoas da minha sala na escola e percebi que todas as professoras enxergavam inúmeras habilidades nelas. Todas bem diferentes de mim, com outras realidades, seja racial ou socialmente.
Quando eu olhei para mim, na época, eu só enxergava a escrita. E a minha desenvoltura para argumentar e falar em público. Me agarrei nisso e enxerguei em mim mesma esse potencial. Decidi que seria da Academia de Oratória, escrevi vários e vários discursos até conseguir chegar naquele lugar que decidi que iria me enxergar.
Acho que aqui eu já andava sonhando, mas alguns anos se passaram e esse sonho de escrever ficou de lado. O corre era outro, entrar e me manter na faculdade, trabalhar, vida real. Em que lugar a escrita poderia estar na minha vida?
Guardei em algum lugar meio distante, algumas vezes revisitei, brinquei de escrever um pouco aqui, um pouco lá, me orgulhei porque tirei mais de 900 na redação do Enem e até escrevi algumas coisas para usar em um sarau. Só que o mundo não gira, ele capota. E no meio de uma turbulência sem fim, do desemprego, do desencanto com a área da educação, trabalhar como redatora caiu no meu colo.
Eu não tinha técnica, mas sabia e gostava de escrever, e tinha o tal “brilho nos olhos” que o povo fala, que na minha ótica é nada mais, nada menos que: necessidade de pagar os boletos e colocar comida na mesa. Me agarrei na oportunidade, porque, no fundo, eu sabia que ia fazer dar certo.
E deu! No final, eu cumpri a expectativa daquela menina Maria que um dia respondeu na aula que queria ser escritora. Lembro das risadas e de como me senti inadequada por causa delas. Mas, quando olho para o agora, acredito que me tornei aquilo que um dia duvidaram.
Por que é tão difícil a gente se permitir sonhar?
Olhando por essa ótica e contando assim tão bonitinho, parece muito fácil sonhar. Mas não é, não para a gente! Respondendo à pergunta do início, acho que, pelo menos eu, tenho aprendido a guardar meus sonhos em lugares visíveis para ser possível me lembrar da minha coragem de realizá-los.
Com o tempo entendi que o lugar reservado para tudo aquilo que as mulheres negras sonham não existe. E por isso, precisamos criar os nossos próprios. Lembra que falei que sou ventania? Então. Reinventar é uma das minhas habilidades favoritas. Eu fui atrás de me fortalecer e buscar referências nesse universo. Busquei enxergar quem já estava pavimentando esse caminho até encontrar o meu lugar.
Nesse processo, eu acompanhei e me referenciei em mulheres com trajetórias incríveis no marketing ou que acabam atuando muito próximo dele, como Jamile Tomenejí, Rosângela Menezes, Christiane Silva Pinto, Aymée Reis, Maria Queiroz, Juh Almeida, Vitor Martins, Hyana Espindola, Naira Santa Rita, Mari Araújo, Blenda Goffredo, Gabriela Barbosa, me tornei semente fértil da Awalé, fui aluna, voltei para casa como mentora e agora aqui estou eu, escrevendo minha primeira coluna – outro sonho antigo da menina Maria.
Entendi que o caminho certo é levantar a poeira, colocar Emicida nos fones e seguir andando, afinal, “você é o maior representante do seu sonho na face da terra e se isso não fazer você correr, eu não sei o que vai!” – Não sei vocês, mas eu sou muito musical, tenho grandes trilhas sonoras para esse movimento de me permitir brilhar.
O que sou eu, senão uma escritora, assim como sonhava em ser? Uma mulher que trabalha e ama escrevendo, que comunica para o mundo ao mesmo tempo que escreve novos futuros, que transforma ideias em projetos e experiências. Então, sim, o marketing me devolveu a possibilidade de sonhar.
Por fim, só gostaria de te lembrar que quando a gente perde a perspectiva de projetar novos caminhos, de nos enxergar em um lugar diferente, almejar conquistas, realizações, não sobra nada da gente. Só aquilo que decidiram fazer de nós. A história que decidiram contar, os limites que decidiram impor. Às vezes sonhar é a nossa única esperança, nosso único respiro em meio a tanto caos.
E isso comprova o quão difícil é se permitir, mas acredite, se você não acreditar na sua potência, minha irmã, ninguém vai. Sair dessa caixa que nos colocam é o primeiro passo para ser apenas quem você é e quer ser.
Talvez uma das maiores violências contra nossos corpos, nossas histórias e nossos caminhos é retirar toda e qualquer possibilidade de sonhar. Por isso, por onde vou, sigo relembrando o que Viola Davis disse: “tudo o que você sonhou está do outro lado do medo”.
O que te espera do outro lado do medo? Por aqui, tenho encarado cada parte dessa travessia. Aconselho que você faça o mesmo 🙂
É redatora criativa e comunicadora, atua com SEO desde 2019 e atualmente trabalha com foco em educação corporativa e e-commerce, compondo o time de criação do marketplace da Americanas. Apaixonada por comunicar e contar histórias, escreve muito sobre diversidade e inclusão e é mentora de carreira, com foco em transição de carreira e escrita para redatoras iniciantes.