O texto sobre minha mudança de carreira encabeça a lista dos meus contos inacabados em vários blocos de anotações perdidos ao longo das 13 mudanças que fiz nos quase 16 anos que resido em Florianópolis. E antes mesmo que a gente caia em uma questão de hermenêutica, gostaria de dizer que acredito e defendo a ideia de que mudar de carreira é sobre produzir enrendo para escrever um conto, não uma crônica.
É sobre uma sequência de eventos distribuídos ao longo do tempo que passa por traumas vividos na vida escolar e acadêmica, nas projeções familiares, em ambientes de trabalhos hostis, chefes ruins, falta de feedback e reconhecimento ou apenas ser jogada no mundo real e descobrir que o que você achava que queria fazer quando entrou na faculdade não tem nada a ver com o que você encontrou no mercado de trabalho.
Eu vim das exatas. Sou técnica eletrônica com experiência mesmo não sabendo muito bem explicar o motivo pelo qual eu caí no ensino médio técnico. Saí de lá para fazer Física, optei pela licenciatura. Lecionei, tive bolsas de iniciação científica trabalhando com Física do solo e reflorestamento. Passei anos nesta área tentando achar meu lugar no mundo acadêmico, em algum momento concluí que era Física Médica e aqui tem um tanto de histórias secundárias dentro do meu conto sobre mudança de carreira que daria até uma novela. Clichê como toda vida real.
Fiz vestibular na USP e na UNESP, tentando achar esse famigerado lugar até que, num ímpeto, descobri que essa área de pesquisa seria criada em Florianópolis, tentei mestrado e retorno do graduado e foi assim e um pouquinho de impulso de um pé na bunda que aportei na Ilha da Magia. Amarguei o penúltimo lugar da seleção do mestrado, mas consegui entrar no bacharelado em Física, sendo necessárias poucas disciplinas para concluir o curso e, quem sabe, ganhar aí um pouco de experiência para fazer o mestrado.
Foi assim que em janeiro de 2009 eu cheguei em Floripa. Teve medo, muito afeto e um escândalo da minha melhor amiga no dia da viagem. Eu sempre achei que esse evento seria o grande plot twist da minha carreira até que, tudo mudou.
Mudar de carreira aos 30 anos não é para todo mundo, mas tava doendo
O incidente que me fez dar o basta foi a morte prematura da minha melhor amiga em uma viagem de campo ao Gabão, no continente africano, para o doutorado que ela tinha acabado de iniciar na universidade de Oxford, na Inglaterra. Sim, uma mulher amazonense em Oxford, saída do periferia de Manaus, contrariando todas as estatísticas para as mulheres do nosso bairro.
Era 9 de dezembro de 2009, 14 anos depois, resolvi escrever este texto. Eu não quero entrar na questão sobre quão difícil é perder alguém que você ama e como o luto é desafiador. Mas sim explicar porque perder a minha melhor amiga enquanto ela realizava o seu sonho foi determinante na minha mudança de carreira.
Conheci a Fabiane na primeira série e gosto de acreditar que ficamos amiga na primeira feira de Ciências. Eu tinha passado a noite toda quase acordada no auge dos meus 7 anos decorando um texto sobre poluição que mal consegui explicar para quem visitou a minha mesinha. Já Fabiane, não, ela tinha levado um gato amarelo e passado todas aquelas horas falando com desenvoltura sobre os mamíferos, todos os seres vivos e muitas coisas mais.
Estudamos juntas até a oitava série. Eu aposentada da feira de ciências, escrevendo sobre tudo nos meus muitos cadernos enquanto Fabiane brilhava com seu sorriso contagiante em todas as feiras de ciências, simpósios e palestras ao longo da sua vida.
Eu gosto de pensar no plot twist da carreira dela, porque quando decidimos fazer prova para a escola técnica, pra mim foi muito natural ir para a Eletrônica, mas contrariando tudo o que imaginava que ela amava, decidiu fazer mecânica. O pai não deixou, houve retaliação. Tentou Meio Ambiente.
Guardo até hoje o jornal com o nosso nome sobrepostos em página diferente. Era uma separação física de escola, mas mantivemos aqueles encontros esporádicos para nos atualizar sobre a vida uma da outra. Vi Fabiane começar sua carreira na ciência no maior instituto de pesquisa e inovação da Amazônia. Lá ela fez mestrado, lá ela publicou muito, lá quando eu tava perdida, arrumei um jeito de também trabalhar para estarmos juntas. Lá estive à distância de um telefonema sempre que algo saía do trilho. Lá estive presente para comemorar quando ela foi aprovado no doutorado.
Fabiane sempre foi para mim o exemplo de pessoa bem sucedida que era apaixonada pelo que fazia e gerava impacto positivo, tanto na comunidade acadêmica quanto na vida das pessoas que seriam beneficiadas pelo trabalho dela. Fabiane não se via muito neste lugar. Quando a reportagem da TV chegou para entrevistar a melhor amiga, eu reproduzi o que todo mundo dizia: que ela morreu fazendo o que amava. Quando a câmera desligou, prometi para mim que não podia mais viver uma vida pautada em uma profissão que não me trazia nenhum sentimento bom. Lembrei do que Fabiane sempre me dizia:
“Tu precisas largar esse negócio de física e viver da tua escrita. Amiga, tu consegues escrever coisas bonitas até para esse homens sem noção que não querem ficar contigo.”
Larguei o Bacharelado em Física no semestre seguinte. Passei 2010 estudando para o vestibular de Jornalismo. Em março de 2011, entrava no curso de Jornalismo da UFSC.
Acordar não é de dentro; acordar é ter saída (João Cabral de Melo Neto)
Foram poucas às vezes que contei como mudei de carreira, mas demorou muitos anos para entender que não tive que mudar de carreira porque perdi minha amiga. Mudei de carreira porque fui a primeira pessoa da minha família a entrar na universidade e isso pautou a minha escolha sem critérios, que de forma compreensiva me colocou em crise de “o que estou fazendo da minha vida” ou “será mesmo que sou inteligente o suficiente para seguir na carreira científica.”
Eu já trabalhava na indústria em uma multinacional coreana, lidando todos os dias com misoginia e racismo, ainda que não soubesse dar nome para as coisas. Era uma das melhores alunas em matemática, era natural querer ir para as exatas, afinal o sonho de toda mãe amazonense, sobretudo de quem trabalha na linha de produção, é ter um filho na engenharia ou no controle de qualidade das fábricas.
Era natural ter ido cursar engenharia, mas muitas pessoas me lembravam todos os dias o quanto era difícil passar. Como se sentir suficiente? Na Física, também havia um esforço gigantesco de desestimular mulheres. Como pode soar bonito dizer “aquela turma tem cinco mulheres; nenhuma se formou”. Eu ainda me espanto quando penso na dor que era fazer Física e como consegui me formar em cinco anos, repetindo apenas três disciplinas e com um único semestre trancado.
Ser a primeira mulher negra a fazer algo é, parafraseando rimas e melodias, carregar o peso de ser edifício.
Ser a primeira mulher negra a realizar algo é desafiador devido à carga histórica de discriminação e falta de representação que as mulheres negras enfrentaram ao longo do tempo.
Além do peso da expectativa pessoal, nos tornamos embaixadoras de nossas comunidades, carregando o anseio de abrir portas para as que virão depois da gente. Essa sobrecarga emocional e a pressão para superar barreiras históricas podem resultar em um fardo adicional, enquanto nós, primeiras mulheres negras a fazer algo, enfrentamos não apenas os desafios inerentes à realização de algo inédito, mas também a responsabilidade de abrir caminho para que outras mulheres negras possam seguir seus passos.
Ainda assim, quase todos os dias agradeço por ter aberto caminho para meus irmãos, primas, sobrinho e, agora, para a comunidade Awalé. É sobre ser Ubuntu.
Mudar de carreira não é simples e exige mais que coragem
Mudar de carreira é uma decisão complexa que vai além da simples coragem de abandonar a familiaridade de uma profissão. Envolve uma avaliação profunda de habilidades, interesses, valores pessoais e objetivos a longo prazo. Muitas vezes, as pessoas se veem presas em carreiras que não proporcionam satisfação ou realização, mas a ideia de mudar pode ser assustadora devido à incerteza do novo caminho e ao medo de enfrentar desafios desconhecidos.
Além disso, o processo de transição pode exigir aquisição de novas habilidades, atualização de conhecimentos e, em alguns casos, até mesmo a necessidade de retornar à educação formal, como foi o meu caso. Portanto, mudar de carreira não é apenas uma questão de coragem, mas também exige resiliência, paciência e um comprometimento substancial com o autodesenvolvimento.
Além das implicações práticas, a mudança de carreira muitas vezes envolve enfrentar pressões sociais e expectativas externas. Familiares, amigos e colegas podem questionar ou não compreender totalmente a decisão, o que pode criar um ambiente emocionalmente desafiador. A sociedade frequentemente valoriza a estabilidade e a continuidade, e romper com a tradição profissional pode resultar em um período de transição difícil, tanto emocional quanto financeiramente.
Portanto, a decisão de mudar de carreira vai além da coragem de tomar o primeiro passo; exige também uma preparação meticulosa, uma visão clara e a capacidade de gerenciar as complexidades inerentes à transformação profissional.
10 dicas que sempre dou para quem quer mudar de carreira
Se você está pensando em mudar de carreira, aqui estão alguns conselhos que podem ajudá-lo nesse processo desafiador:
1. Autoavaliação
Faça uma análise profunda de suas habilidades, interesses, valores e objetivos. Identificar suas paixões e o que é significativo para você é crucial para escolher uma carreira alinhada com seus valores.
2. Pesquisa e Informação
Pesquise sobre as carreiras que a interessam. Entenda as tendências do mercado de trabalho, as demandas e as oportunidades. Converse com profissionais da área para obter insights valiosos sobre o dia a dia e os desafios da profissão.
3. Desenvolvimento de Habilidades
Identifique as habilidades necessárias para a nova carreira e comece a desenvolvê-las. Isso pode envolver cursos, treinamentos, certificações ou até mesmo atividades práticas para adquirir experiência.
Eu criei cartões no trello em um quadro que chamei “Mudança resiliente de carreira”. Para cumprir todos os quadros levou 2 anos e, no final, cheguei aonde queria. Não foi fácil e custou bastante dinheiro.
4. Networking
Construa uma rede de contatos na área desejada. Participe de eventos, conferências e encontros profissionais. Conectar-se com pessoas que já estão na nova carreira pode proporcionar insights e oportunidades de mentoria.
5. Plano Financeiro
Avalie suas finanças antes de fazer a transição. Mudanças de carreira podem envolver períodos de transição financeira; por isso, é importante estar preparada e ter um plano para lidar com ajustes no orçamento.
6. Plano de transição gradual
Considere a possibilidade de uma transição gradual, se possível. Isso pode envolver começar a trabalhar na nova área em meio período, fazer trabalhos como freelancer ou realizar projetos paralelos enquanto ainda está empregada na carreira atual. Esse é meu arrependido, mas vou falar sobre isso mais pra frente.
7. Mentoria
Busque mentores na nova área. Profissionais experientes podem fornecer orientação, compartilhando suas experiências e ajudando a evitar armadilhas comuns.
Aqui na Awalé o maior diferencial do nosso curso são as mentorias, principalmente para quem está mudando de carreira. É aquele momento em que você pode tirar dúvidas com especialistas de mercado e contribuir para novas habilidades, fundamentais para a nova profissão.
A Camila Andrade, aluna da turma 2 do curso do nosso Curso de Conteúdo Criativo e SEO nos deixou este depoimento sobre mentorias: “Participar da mentoria foi como ter acesso que eu estava em busca de alcançar: produzir conteúdo com a aplicação de SEO e ter mais contato com a área de Marketing. Conhecer outras mulheres pretas, seus projetos, suas experiências me inspirou mais ainda no meu propósito de também gerar oportunidades para pessoas pretas, como a Awalé gera para mulheres pretas”.
8. Adapte-se à Mudança
Esteja preparada para enfrentar desafios e incertezas. A mudança de carreira pode ser um processo desafiador, mas também pode ser recompensador. Mantenha uma mentalidade aberta e esteja disposta a aprender com as experiências.
Inclusive, na Formação de Analista de Conteúdo da Awalé incluímos um módulo especial sobre soft skills necessários na profissão que tem tudo a ver com quem quer mudar de carreira:
- identificação das soft skills pessoais;
- desenvolvimento da autoconfiança e autoestima;
- escuta ativa e comunicação não violenta;
- empatia e compreensão de diferentes perspectivas;
- colaboração;
- adaptação a mudanças no ambiente de trabalho;
- administração de tempo.
Se você quiser saber mais sobre o curso, entre em contato conosco através do formulário.
9. Persistência
Esteja preparada para enfrentar rejeições e desafios ao longo do caminho. A persistência é essencial. Cada obstáculo pode ser uma oportunidade de aprendizado e crescimento.
10. Avaliação Contínua
Esteja aberta a reavaliar e ajustar seu plano à medida que avança. A carreira é uma jornada contínua, e é normal fazer ajustes ao longo do tempo para garantir que você esteja seguindo na direção certa.
3 coisas que eu faria diferente na minha mudança de carreira
1. Resolver as coisas no calor do momento
Depois da formatura em jornalismo, demorou 10 meses para eu arrumar um emprego. Mas eu tinha um no último ano da faculdade. Era CLT, o nome do cargo e meu salário não eram do cargo que eu exercia, mas ainda assim era um salário e tinha benefícios. Quando me formei queria ser paga como jornalista, pedi demissão e é isso: bancar as decisões.
Eu não tinha poupança, tinha um frila que me garantia 300 reais, mas o meu aluguei era R$ 1,7 mil. Como fechar essa conta? Com mais sorte do que juízo, fiz um empréstimo: eu tinha o suficiente para bancar o aluguel por três meses. Foi exatamente o tempo em que virei jogo e consegui meu primeiro emprego com Marketing Digital.
O que eu faria diferente? Continuaria os estudos com Marketing Digital e trabalhando no emprego até achar um novo e, só então, pedir para sair.
Eu não precisava ter passado por metade das coisas que passei se tivesse segurado um pouco a onda.
2. Teria pedido mais ajuda
A hesitação ou a dificuldade que algumas pessoas negras, como eu, podem sentir ao pedir ajuda pode ser influenciada por uma variedade de fatores, muitos dos quais estão enraizados em questões sociais, históricas e culturais:
- estereótipos negativos sobre a comunidade negra podem criar uma pressão adicional para parecer forte, independente e resiliente. Pedir ajuda pode ser percebido como uma vulnerabilidade contrária a esses estereótipos;
- desigualdades socioeconômicas podem limitar o acesso a recursos, incluindo serviços de saúde mental, educação e apoio financeiro. A falta de acesso a esses recursos pode fazer com que as pessoas negras relutem em pedir ajuda;
- valorização da independência e da resolução individual de problemas. Isso pode levar as pessoas a hesitar em buscar ajuda externa, acreditando que devem enfrentar seus desafios sozinhas;
- medo de ser estigmatizado ou discriminado por buscar ajuda pode ser uma preocupação significativa. Isso pode ser especialmente verdadeiro em questões de saúde mental, onde há estigmas culturais persistentes.
3. Movimentar mais a minha rede
Esse último é meio um reflexo do segundo. Fiz jornalismo em Santa Catarina, o estado mais branco do Brasil, onde a maioria das pessoas não entendia metade das coisas que passava e quem entendia sofria da mesma dor do que eu.
Se você pensar que eu sigo aqui e que construí uma comunidade potente toda baseada na colaboração e troca de conhecimento, deve se perguntar: acho que um avanço gigantesco para entender o meu valor, o meu conhecimento, minha jornada múltipla de habilidades e muita terapia.
O networking desempenha um papel fundamental na mudança de carreira, fornecendo acesso a oportunidades não divulgadas publicamente, validando habilidades e experiências, e oferecendo insights importantes sobre a nova área desejada.
Além de facilitar a obtenção de mentoria, referências profissionais e desenvolvimento de habilidades, o networking contribui para a compreensão da cultura organizacional e ajuda na tomada de decisões alinhadas com metas e valores pessoais. Em um nível emocional, ele oferece suporte motivacional e emocional durante os desafios da transição.
Ao participar de eventos e grupos profissionais, o networking também amplia a visibilidade no setor desejado, mantendo os indivíduos atualizados sobre tendências e oportunidades, essenciais para o sucesso em uma mudança de carreira.
Aqui está a cereja do bolo. Aqui também, a meu ver, está a maior dificuldade em mudar de carreiro. Minha dica de milhões é: comece com os seus.
Tenho 40 anos e quero mudar de carreira, por onde começar?
Fundei a Awalé aos 39 anos também num contexto de muita dor e mudanças. Seguimos aqui nos 40 e pouquinhos e também considero outra mudança de carreira. Se você tem 40 anos e quer alçar novos voos, não acho que é muito diferente dos 30 ou 50 anos. No fundo, tem a dica básica: mudar de carreira não é para qualquer pessoa e exige muito mais que coragem.
É sobre ter redes de apoio, seguir um planejamento resiliente de carreira, mas sobretudo saber onde recarregar energia ou o que fazer caso o plano falhar. Eu costumo dizer que tenho conseguido seguir em frente e me reinventar porque não tenho medo de quebrar, falhar ou recomeçar.
Tenho claro o que é e o que não é negociável nas mudanças, embora algumas vezes eu coloque em cheque o que para mim é inegociável. Mas para mim uma coisa é muito escura: não importa quantas vezes eu caia, eu vou encontrar um caminho para levantar porque já vivi isso outras vezes.
E você, o que tem feito o que mudaria em sua carreira? Me conta, mulher!
Rosângela Menezes é fundadora da Awalé, corredora nas horas quase vagas e apaixonada por discos e livros. É formada em Física e Jornalismo e trabalha com o melhor dos dois mundos.