Começo a escrever este texto mais para resgatar a resolução de 2024, que foi ficando para trás à medida que eu e a Awalé acessávamos novos espaços: escrever mais! E vou, de novo, escrever sem pensar em otimização, palavras-chave e tudo mais que fazem de mim uma especialista em SEO, como dizem por aí. Hoje, só quero hablar.
E vou começar hablando assim, logo depois de acordar do primeiro sono realmente restaurador da semana. Acabei de voltar de Brasília, após encerrar um ciclo intenso, complexo, profundo e desafiador que foi o Programa Empreendedoras Tech, uma iniciativa do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), executado com muita intencionalidade pelo Impact Hub Brasil e pela Enap (Escola Nacional de Administração Pública).
Mas, antes de falar com mais detalhes sobre essa experiência, queria compartilhar como tive coragem para dar o primeiro passo rumo à transformação da Awalé em um negócio de impacto e, consequentemente, na minha jornada empreendedora.
A Awalé não foi pensada para ser um negócio…
Não foi mesmo! Era pandemia, e o desconforto com as estatísticas me inquietava. Assim como boa parte dos empreendedores sociais, tudo o que eu queria era encontrar formas de resolver um problema social: o desemprego de mulheres negras durante a pandemia. Rodamos a turma 1 de forma humilde, com apenas 12 mulheres. Era tudo artesanal: sem aula gravada, sem material de apoio, mas com aulas intensas e um grupo de mentoras determinadas a fazer o projeto dar certo. E assim seguimos.
Com o tempo, começam a te enviar editais e seleções de programas, né? Foi exatamente assim que a Future Females chegou até mim. Abri o site, li sobre o trabalho das Afroricas e, automaticamente, pensei: se é um projeto de duas mulheres negras voltado para o empoderamento financeiro de mulheres negras, talvez esse programa também funcione para mim.
É como se fosse um “teste de pescoço” para participar de um programa ou não. Até hoje, sempre que vou submeter algum edital, olho as empresas que foram aceleradas antes, para saber onde estou pisando. Se eu não tivesse visto a foto da Gabriela Safe e da Geórgia Barbosa — duas empreendedoras que eram minhas principais referências na época —, provavelmente, não teria submetido minha inscrição.
Quando falo sobre representatividade, estou falando sobre algo que vai muito além de ocupar um lugar. É sobre permitir que outras pessoas, especialmente mulheres negras e indígenas, se vejam nesses espaços e acreditem que também podem chegar lá. Porque, no fundo, é muito difícil aspirar o que você nunca viu.
Quando vi a Gabriela Safe e a Geórgia Barbosa sendo destaque no Future Females foi como um lembrete: eu também posso estar aqui. Representatividade é isso. É a prova viva de que caminhos que pareciam distantes estão, sim, ao nosso alcance e de que, ao ocupá-los, abrimos a porta para tantas outras pessoas.
E essa é a potência de ser Ubuntu: acessar espaços para que muitas pessoas, depois de nós, possam se enxergar nesses lugares. É criar uma grande corrente de prosperidade e impacto, ainda que as coisas não aconteçam na velocidade que desejamos ou que a comunidade negra precisa.
Na turma 3 da Future Females, conheci mais empreendedoras negras, tive minhas primeiras mentorias de negócio e parei de dizer que era consultora de SEO. Ganhei, de vez, a alcunha de empreendedora. Nunca mais parei.
Na segunda aceleração, tive a certeza que só números de impactos não eram suficientes
Nossa segunda aceleração foi o Programa Inpulso, organizado pela Ambev, o primeiro mais curto, o primeiro presencial, o primeiro focado em iniciativas de impacto. Foi um divisor de águas porque pude ouvir bem de pertinho Raul Santiago e René Silva contarem suas histórias. O grande recado que ficou foi: gerem impacto, mas não se esqueçam que por trás dele tem um empreendedor com os seus corres que precisa ganhar dinheiro.
Essa mensagem se conectou diretamente com o que vivemos na Awalé. Percebi que, para manter a sustentabilidade do negócio e escalar o impacto, era essencial diversificar nossas fontes de receita e, ao mesmo tempo, valorizar o trabalho de quem está à frente das iniciativas. Como empreendedores sociais, precisamos aprender a encontrar um equilíbrio entre o impacto social e a sustentabilidade financeira — um aprendizado que sigo carregando comigo e que me desafia todos os dias.
No pitch day do Programa Inpulso, voltamos com o prêmio de segundo lugar! Esse reconhecimento foi o pontapé inicial para tirar do papel a Awalé Lab. Esse momento foi essencial para validar a ideia e identificar gargalos importantes que precisavam ser ajustados. Conseguimos executar o projeto e gerar impacto positivo, mas aprendemos que, para escalar e alcançar mais pessoas, precisávamos de uma estrutura mais completa.
Com esses aprendizados na bagagem, entramos no Programa Empreendedoras Tech com uma versão ajustada da Awalé Lab.
Entre uma coisa e outra, o Programa de Formação de Liderança do ID_BR
Entre encerrar a primeira formação de Analista de Conteúdo da Awalé e iniciar o Empreendedoras Tech, entrei para o Programa de Formação de Liderança do ID_BR. Quando me inscrevi, imaginei que seria uma trilha de conhecimento para me tornar uma liderança melhor. No entanto, me tornar fellow me trouxe muito mais do que isso: me conectou com uma rede inspiradora de centenas de lideranças negras e indígenas.
Em um país onde pessoas negras representam menos de 5% nos cargos de liderança e pessoas indígenas raramente são vistas em posições de decisão, estar em um programa com tantas lideranças potentes foi inspirador. Ainda assim, não foi possível me conectar profundamente com todas as pessoas. São centenas de pessoas! No entanto, só de estar cercada por essa potência já me deu gás para continuar. Saber que existem tantas pessoas incríveis compartilhando esse espaço reforçou a certeza de que é possível ocupar esses lugares, abrir portas e criar mudanças.
O programa ofereceu aulas sobre resiliência, pensamento criativo, liderança e feedback, oratória e comunicação assertiva, além de muitas rodas de conexão. Mas o maior impacto foi perceber que estar cercada por pessoas dispostas a trocar de forma genuína cria um ambiente de força e possibilidades. Quando começaram as aulas do Empreendedoras Tech, tudo se tornou uma grande engenharia, já que as aulas aconteciam ao mesmo tempo, uma não era gravada; a outra não podia faltar. Por vezes, pensei em desistir de tudo, mas e aí, a comunidade!
Ser fellow expandiu minhas referências e me deu coragem para seguir investindo meu tempo e energia na Awalé. A experiência reforçou a importância de estar em comunidade, especialmente para negócios liderados por pessoas negras e indígenas. A frase de Sobonfu Somé traduz bem essa visão: “A comunidade é a base na qual as pessoas vão compartilhar seus dons e receber dádivas dos outros.”
Estar em comunidade significa criar um espaço onde todos têm algo a oferecer e a receber, onde há troca genuína e apoio mútuo. Foi isso que o ID_BR me deu: a certeza de que a comunidade é um pilar essencial para que negócios como o meu prosperem.
Não sou inocente a ponto de achar que isso funciona para todo mundo. Não acredito que todo mundo junto vai mais longe (inclusive, há pessoas que pesam e pesam bastante!), mas saber com quem contar, quem vai subir no barco com você e, principalmente, a quem pedir ajuda quando as coisas apertam é, de fato, transformador.
Achem o seu bonde!
Empreendedoras Tech: um ciclo de aprendizado, impacto e comunidade
O Programa Empreendedoras Tech, uma iniciativa do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), executado com muita intencionalidade pelo Impact Hub Brasil e pela Enap (Escola Nacional de Administração Pública), foi um espaço marcado pela diversidade. Participamos de encontros com mulheres empreendedoras de diferentes regiões do Brasil, com histórias e trajetórias únicas que, juntas, trouxeram pluralidade de ideias e perspectivas para as discussões sobre negócios e inovação.
A equipe do Impact Hub merece um agradecimento especial por não medir esforços para que todas nos sentíssemos parte de algo maior. Essa atenção ao detalhe, o cuidado em criar um ambiente acolhedor e a escuta ativa fizeram toda a diferença para que cada uma pudesse trazer o melhor de si.
É impossível não lembrar de uma das mulheres que trabalha em um dos órgãos financiadores do programa (esqueci o nome) que levou sua filha ao demoday. Alguns anos atrás, ela mediou um evento em que uma astronauta americana fazia parte da mesa. Desde então, a filha decidiu que quer ser astronauta. Essa história me marcou porque traduz as nuances da representatividade. Não se trata apenas de ocupar espaços, mas de abrir portas para que meninas e mulheres possam sonhar, acreditar e se enxergar nesses lugares.
As empreendedoras Tech da turma 2 estão fazendo exatamente isso: abrindo caminhos para muitas que virão depois. São mulheres que, com suas ideias, negócios e coragem, estão criando redes de impacto e mostrando que a diversidade é um pilar fundamental para inovação e crescimento.
Ter uma coordenadora negra no projeto também faz toda a diferença. A diversidade precisa estar em todas as camadas e não apenas na ponta. Como Audre Lorde nos lembra: “Eu não sou livre enquanto outra mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas.” Quando incluímos pluralidade em toda a pirâmide dos espaços de conhecimento, criamos não só oportunidades, mas também um espaço de pertencimento onde cada conquista é coletiva.
Encerrar esse programa é reconhecer que estamos todas juntas construindo algo maior: um futuro onde todas se sintam pertencentes e onde cada conquista abra portas para muitas outras e não estamos falando apenas do checão de 50 mil reais.
Um ciclo marcado por parcerias e impacto coletivo
Se 2024 teve uma marca, foi a força das parcerias construídas ao longo do caminho. Parcerias com mulheres negras incríveis, dispostas a somar e a caminhar juntas, dentro e fora das acelerações. Mulheres como Jessica Trindade, Belkis Rosa, Camila Nunes, Marana Thomaz e as mentoras do Programa Empreendedoras Tech, que estiveram ao nosso lado, compartilhando ideias, apoiando em decisões difíceis e trazendo sua potência para fazer a diferença.
E essa força coletiva não ficou só na intenção: os números mostram o quanto conseguimos avançar. Em 2024, a Awalé impactou quase 500 mulheres — um crescimento de 450% em relação a 2023. Foram mulheres negras e indígenas conectadas a formações, mentorias e oportunidades, mostrando que é possível criar espaços que capacitam e transformam vidas.
Esse ano foi uma prova de que ninguém faz nada sozinha. Foi sobre construir em comunidade, fortalecer redes e caminhar com pessoas que acreditam em mudanças concretas. Cada mulher que cruzou nosso caminho deixou uma marca, mostrou uma possibilidade e reafirmou que a educação, a representatividade e a pluralidade são ferramentas poderosas para abrir portas.
E essas mulheres somaram tanto que conversando em comunidade entendemos que a Awalé estava pronta para impactar não só mulheres, mas todas as pessoas negras e indígenas, independente da identidade de gênero.
Encerramos 2024 com a certeza de que cada passo dado — mesmo aqueles mais desafiadores — valeu a pena. Estamos firmes e prontas para os desafios de 2025, confiantes de que, juntas, podemos ir ainda mais longe.
Rosângela Menezes é fundadora da Awalé, corredora nas horas quase vagas e apaixonada por discos e livros. É formada em Física e Jornalismo e trabalha com o melhor dos dois mundos.