Nós do Marketing falamos tanto em KPI, atingir metas, dobrar metas, criar eventos bem-sucedidos no Google Analytics e ter muitos, muitos snippets na SERP. Somos capazes de mensurar cases de sucesso para concorrer a prêmios de agência do ano, profissional de destaque e tantas outras coisas mais. No entanto, provoco, qual métrica configura que um sonho foi realizado, hein?
Retorno a este texto, que deveria ter sido publicado no aniversário de um ano da comunidade Awalé, que também é o aniversário da minha avó. Após a festa de aniversário dela, voltei ao hotel tão emocionada que fui incapaz de terminar o texto. Mesmo agora, me sinto impossibilitada de finalizá-lo, mas vamos seguir o fluxo de pensamento.
Para quem não sabe, a comunidade Awalé nasceu do desconforto das estatísticas no meio da pandemia da Covid-19. Como uma mulher amazônida distante do seu território, tive que lidar de longe com os efeitos da crise de oxigênio em Manaus, enquanto cuidava de uma estratégia de conteúdo para a internacionalização da empresa em que trabalhava.
Ninguém estava preparado para tantas perdas em um intervalo de tempo tão curto. Eu não estava preparada, a empresa em que trabalhava também não. Afinal, quem está pronto para acolher um luto em massa?
Um dia, simplesmente acordei toda dolorida de tantas perdas, abri o jornal como de costume e encontrei um infográfico trazendo estatísticas sobre o desemprego da população negra durante a pandemia. Foi assim, exatamente assim, que decidi que começaria a comunidade Awalé. E a minha ideia foi a mais simples possível:
- trabalho com marketing;
- tenho uma networking gigantesca no marketing;
- empresas sempre me procuram pedindo indicações;
- redação para SEO é uma boa porta de entrada para o marketing digital;
- tenho muitas amigas que topariam esse desafio.
Nascia assim o propósito de aumentar o número de mulheres negras e indígenas trabalhando com marketing digital. Por onde começar?
“Somos uma rede de colaboração e troca de conhecimento que conecta mulheres negras e indígenas a projetos de marketing digital”.
Propósito definido, vamos tirar a ideia do papel e escolher um nome?
O primeiro passo foi encontrar o nome. Queria algo que remetesse a semente. Lembrei que o Baobá além de ser considerado a árvore-da-vida — porque dela tudo se aproveita — no mundo Iorubá e no Candomblé exerce um papel fundamental na manutenção da vida e no equilíbrio da coletividade.
Baobá Digital, Baobá Comunicação, Baobá Design e demais serviços já existiam. No meio de tantas pesquisas, encontrei o livro A Semente que Veio da África, de Heloísa Pires, que prometia contar várias lendas e os vários nomes atribuídos ao Baobá, dependendo da região que ele pertence.
No Brasil, por exemplo, é chamado de barrigudo e está presente em Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Alagoas, Ceará, Mato Grosso e Goiás.
O nome foi escolhido assim que a caixa de correio chegou e junto com ela toda aquela ansiedade que abrir caixas e livro novo tem. Tira o plástico, cheira, folheia… O encarte que ensinava a jogar Awalé saltou, o nome era esse: Awalé. Comunidade Awalé.
O Awalé é um jogo de tabuleiro da família Mancala que tem como premissa o semear para colher e remete à memória ancestral dos povos africanos: a troca como sinônimo de abundância.
Temos um nome. Vamos criar a marca e engajar a comunidade Awalé?
O propósito da Awalé estava bem definido: aumentar o número de mulheres negras e indígenas trabalhando em projetos de Marketing Digital. Feito isso, vamos para o segundo passo: criar a marca, as redes sociais, o site e definir como será este curso de formação.
No meio de tantas mudanças, minha avó ficou doente. Peguei um avião para Manaus para cuidar dela. A comunidade Awalé nascia no hospital. Entre os cochilos da minha avó, post-its eram pregados no livro de Heloísa Pires.
O curso de Conteúdo Criativo e SEO seria gratuito, on-line e ao vivo; e contaria com desafios semanais para treinar a escrita. Convidei várias amigas e colegas do marketing para revisar, corrigir, dar dicas e oferecer mentorias on-line para que as mulheres pudessem sair do nosso curso prontas para começarem a escrever conteúdo otimizado para a internet.
Por que um Curso de Escrita Criativa e SEO?
A resposta mais óbvia é que eu tinha uma rede de contatos engajados no marketing de conteúdo. Também porque sempre acreditei que uma pessoa que gosta de escrever, aprende técnicas de SEO, tem habilidades socioemocionais para atendimento ao cliente e fomenta uma boa rede de contatos, está pronta para trabalhar com marketing digital.
O segundo motivo é que existe um gap no mercado para profissionais de marketing. E pode até parecer que o mercado de marketing de conteúdo está estagnado, mas, a grande verdade é que existe muito espaço para quem domina escrita criativa e SEO, principalmente para profissionais de outras áreas em transição de carreira, Na Awalé, já tivemos alunas que migraram da economia para escrever posts para Fintechs, por exemplo.
Para além disso, trazendo dados mais atualizados, o marketing digital e os demais empregos em empresas digitais se apresentam como oportunidades de carreira quando acompanhados por políticas de diversidade e inclusão. Isso porque, além de ser uma área em expansão, o estudo Panorama de talentos em tecnologia, realizado em parceria pela Google for Startups e pela Associação Brasileira de Startups, apontou que várias áreas do marketing atuam como área transversal em vários campos do conhecimento.
O relatório mostrou ainda que 50% dos profissionais precisarão de algum nível de requalificação até 2025, devido à adoção de novas tecnologias. Esses dados ressaltam ainda mais a necessidade de capacitação de mulheres negras e mulheres indígenas, para que elas possam conquistar um posto formal em empresas digitais.
A capacitação em marketing digital para mulheres negras e indígenas têm o potencial de impulsionar significativamente a melhoria das estatísticas relacionadas ao mercado de trabalho. Ao adquirirem habilidades em uma área em expansão, essas mulheres podem aumentar suas chances de encontrar empregos formais, reduzindo as taxas de desemprego e informalidade.
Além disso, a entrada delas nesse setor promove a diversidade e a representatividade, ao mesmo tempo que contribui para a redução da disparidade salarial e o desenvolvimento de habilidades técnicas e interpessoais. Essa capacitação não apenas abre portas para oportunidades de emprego e empreendedorismo, mas também fortalece o empoderamento econômico e social desses grupos, promovendo a inclusão e a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho.
O curso de Conteúdo Criativo e SEO da Comunidade Awalé
O curso de conteúdo criativo e SEO da Awalé foi um verdadeiro marco na trajetória da empresa e das alunas envolvidas. Desde o início, a proposta era capacitá-las com habilidades fundamentais em criação de conteúdo e otimização para mecanismos de busca.
Ao longo do curso, as alunas aprendem técnicas de escrita criativa e SEO para poderem trabalhar como redatoras freelancers, seja em empresas ou para digitalizar seus negócios.
As alunas das cinco turmas não apenas dominaram as estratégias de SEO, mas também criaram conteúdo envolvente e impactante, que foram publicados no blog da Awalé para compor o portfólio digital de cada uma.
Tudo isso porque desenhei este curso para que as alunas pudessem aplicar as técnicas aprendidas no dia seguinte da aula. Para isso, pensei em metodologias de ensino que mesclam aulas teóricas e desafios práticos, que são acompanhados por mentoras experientes do mercado. Além de ter, é claro, muito bate-papo com profissionais que vivenciavam o dia a dia da profissão.
Na comunidade Awalé, tudo é milimetricamente pensado para simular o mercado de trabalho digital por meio das seguintes metodologias:
- teoria da aprendizagem ativa e experiencial;
- aprendizagem baseada em problemas;
- aprendizagem colaborativa em comunidade;
- construtivismo e aprendizagem significativa.
Afinal, em uma comunidade de aprendizado “o professor precisa valorizar de verdade a presença de cada um. Precisa reconhecer permanentemente que todos influenciam a dinâmica da sala de aula, que todos contribuem. Essas contribuições são recursos. Usadas de modo construtivo, elas promovem a capacidade de qualquer turma criar uma comunidade aberta de aprendizado”. Quem disse foi a bell hooks no livro ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança.
Para ela, nas salas de aula segregadas dos Estados Unidos, os professores e professoras estavam focados em fortalecer a autoestima e aumentar a confiança de crianças pretas para que elas pudessem se visualizar em uma carreira próspera e promissora.
Uma comunidade de aprendizado voltada a mulheres negras e indígenas, portanto, precisa ter atenção à autoestima e à saúde mental. Principalmente porque essas mulheres sofrerem mais com a síndrome de impostora, e também são submetidas cotidianamente à descrença de suas capacidades técnicas, além de outras microagressões.
Mas afinal, qual o KPI que define que um sonho é realizado?
Quando criança sonhava em ser professora. Em uma comunidade pautada pela escassez, acredito que esse seja um caminho natural para quem cresce com aquela pulguinha de salvar o mundo. Inclusive, bell hooks fala isso com muita propriedade em pertencimento: uma cultura do lugar.
Me formei em física, trabalhei com física do solo, reflorestando áreas degradadas, tentei migrar para física de materiais. Não rolou. Fiz transição para a comunicação. Trabalhei com marketing digital por mais de 10 anos até que voltasse para aquele lugar que sempre fiz parte: a comunidade. Também foi uma possibilidade de retomar meu sonho de criança de ser professora, sem as pedagogas e diretoras podando o meu querer. É possível.
Ainda assim, não considero métricas de sucesso. Para quem acredita no coletivo e tem como propósito compartilhar conhecimento, um sonho que deu certo é mais sobre impulsionar mulheres para ir além. Acolher, trocar, se fortalecer em conjunto. E é o que temos feito de melhor em todos esses anos de comunidade Awalé.
Para mim, ter certeza que um sonho deu certo é saber que a Suelen Rocha conseguiu encontrar a sua voz com ajuda das mentorias da Janine Costa: “Uma dificuldade que encontrava no trabalho era escrever sem ter muito conhecimento técnico. Com a pressão do dia a dia, não havia muito tempo para me ensinarem e me sentia insegura em relação ao texto. A mentoria na Awalé foi fundamental para ganhar segurança na minha escrita, inclusive eu estava no caminho certo, só precisava de acompanhamento.”
Ou que a Camila Andrade, uma doutora internacionalista que tem um trabalho significativo sobre África e que escreveu um dos artigos mais acessados do nosso blog: Ruanda muito além do conflito: conheça 4 curiosidades sobre este país africano. O aprendizado em comunidade e as mentorias são os principais diferenciais da Awalé. A Camila foi mentorada pela Beatriz Bento, que por anos, coordenou a a nossa comunicação <3.No curso, também pude conhecer a Ywanna Cerqueira, uma mulher indígena, formada em publicidade e propaganda que é produtora cultural, DJ, instrutura de defesa pessoal e outras identidades a mais. A Yoh é uma das sementes da Awalé que tem construído uma carreira próspera desde que passou por nossa formação.
Já a Camila Simões é uma mulher amazônida que mora em Curitiba e que passou por todas as etapas da academia. Para ela, o Curso de Conteúdo Criativo e SEO “apresenta novos ares e novos direcionamentos de carreira (…). Sou mulher preta, amazônica e acadêmica, com 36 anos de idade e acredito na educação enquanto chave social central. Agora, me jogo mundo do texto otimizado com a segurança de que aprendi muito e com as melhores.” Ela também nos conta como é ser mais uma semente da Awalé.
Os cursos da Awalé estão sempre se adaptando ao mercado e às alunas
O Curso de Conteúdo Criativo e SEO foi o primeiro, mas as cinco turmas aconteceram de forma orgânica e nenhuma formação aconteceu igual a outra. Tudo foi co-criado com a comunidade Awalé e, desde o início, na pandemia, as alunas foram apresentando outro perfil profissional.
O primeiro curso criado foi o de Conteúdo Criativo e SEO com o objetivo de formar redatoras para trabalhar como freelancers, nas organizações ou gerando conteúdo para os próprios negócios. Foram 5 turmas, com 100 alunas impactadas em todas as regiões do país: Nordeste (37,33%), Sudeste (28%), Sul (24%), Norte (9,33%) e Centro Oeste (1,33%).
Contudo, com o final da pandemia, entendemos que as necessidades mudaram e as mulheres que buscavam os nossos cursos já estavam inseridas no mercado de trabalho ou trabalhando como freelancer. Dessa forma, entendemos que nossas alunas gostariam de adquirir novas habilidades para progredir em suas carreiras.
Nasceu assim a Formação de Analista de Conteúdo, nosso primeiro curso de média duração (4 meses) e contou com a participação de 31 alunas, 20 bolsistas e 11 pagantes. Além das aulas teóricas de marketing digital, desafios técnicos e palestras com profissionais experientes, as alunas tiveram também um módulo específico para desenvolver as habilidades socioemocionais.
A comunidade Awalé nasceu para balançar estatísticas
A Awalé não foi sonhada para ser um unicórnio, tampouco uma empresa zebra. Ela nasceu do meu desejo de compartilhar o meu conhecimento, usar meu super poder de fomentar conexões de impacto para capacitar mulher negras e indígenas para trabalharem em empresas digitais e balançar estatísticas.
Publicada no segundo trimestre de 2023, a pesquisa do Dieese (2023) salientou que 46,1% da população negra ocupada trabalhava informalmente. Já entre as mulheres negras, 46,5% trabalhavam sem carteira assinada e não contribuíam com a Previdência Social.
Além disso, enquanto as mulheres negras recebiam R$ 1.908, as mulheres não negras ganhavam a média de R$ 3.096, representando uma diferença salarial de 38,4%. Na época da publicação, apenas 2,1% das mulheres negras ocupavam cargos de liderança. Lamentavelmente os dados do Pnad contínua não trazem informações das mulheres indígenas no mercado de trabalho.
Esses dados podem ser reforçados pelo 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial que traz o recorte por raça e cor das mulheres. As mulheres negras, além de estarem em menor número no mercado de trabalho (2.987.559 vínculos, 16,9% do total), são as que têm renda mais desigual. Enquanto a remuneração média da mulher negra é de R$ 3.040,89, correspondendo a 68% da média, a dos homens não negros é de R$ 5.718,40 — 27,9% superior à média. Além disso, esse levantamento traz que as mulheres negras ganham 66,7% da remuneração das mulheres não negras.
Mas o que impede a população negra de entrar no mercado de trabalho?
Discriminação racial, acesso desigual à educação, desigualdade socioeconômica e viés institucionais são alguns dos fatores que fazem com que pessoas negras não cheguem ao mercado de trabalho. Contudo, embora a pesquisa do Dieese (2024) mostre que existe discriminação contra a população negra que busca por vagas de emprego, não é mais possível corroborar com o senso comum que diz que a população negra não está qualificada para o mercado de trabalho.
Mas e a população indígena? Além da dificuldade de encontrar emprego, na maioria das vezes em que os indígenas encontram uma oportunidade, são em postos informais. A pesquisa Pnad Contínua do IBGE, compilada pela pesquisadora do FGV Ibre, mostrou que a taxa de informalidade da população indígena é de 48,5%. Já a de pretos e pardos é de 44,5%, e a de brancos e amarelos corresponde a 33,3%.
O que você pode fazer para ajudar a Comunidade Awalé hoje?
- Acompanhar nossas redes sociais e engajar em nossos posts. Isso faz com que nossas vozes ecoem mais longe;
- Se você é da comunicação, marketing, criatividade, você pode ser mentora em nossas formações;
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- Quer ajudar e não sabe como? Pode entrar em contato com a gente.
Você também poder participar de nossa campanha de financiamento coletivo e nos ajudar a oferecer 40 bolsas de estudo em nossa Formação de Social Media. Clique aqui e confira as recompensas disponíveis.
A comunidade Awalé é A comunidade Awalé é resultado de um esforço coletivo e realiza muitos sonhos e realiza muitos sonhos, que tal fomentar alguns deles? Vamos conversar?
Rosângela Menezes é fundadora da Awalé, corredora nas horas quase vagas e apaixonada por discos e livros. É formada em Física e Jornalismo e trabalha com o melhor dos dois mundos.